sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A HORA EXATA



Todos os dias era a mesma rotina, após o almoço, já de barriga cheia encaminhava-se para a penumbra da sala.
Sentava-se na cadeira de balanço, descansava os pés sobre o puff, palito de dente no canto da boca e os olhos fixos no relógio de parede.
Acompanhava o giro do ponteiro dos segundos e enumerava cada vez que ele passava pelo número doze: um, dois, três – contava os minutos.
Enquanto contava relembrava o passado.
A contagem normalmente não chegava ao dez, e ele já adormecia.
Cochilando, acabava sonhando com a época que era garoto de calça curta e pés no chão, caçava passarinhos, trabalhava igual aos adultos, capinava, alimentava animais e ordenhava as vacas às seis horas da manhã.
Acordou com o próprio ronco.
Olhou novamente para o relógio de parede e recomeçou a contagem, acompanhando fixamente o giro do ponteiro dos segundos, sonolento mal chegou ao três.
De volta ao sono profundo, agora já era mais mocinho e cobiçava a Rosa, moça mais bonita do bairro, morena de cabelos longos e olhos negros. No baile, tirou a moça pra dançar e percebeu que estava apaixonado, o beijo seria inevitável.
Novamente acordou com o ronco.
Fitou o relógio de parede, resmungando por ter perdido o beijo, recomeçou a contagem, um, dois, três e já estava dormindo novamente.
O palito de dente não saia do canto da boca, em alguns momentos parecia que iria cair, mas mantinha-se em equilíbrio entre os lábios.
Entre um cochilo e outro, as recordações o levava ao passado e se alternavam com imagens do presente.
Presente de velhice e solidão.
Solidão pelo abandono do grande amor de sua vida que fora “roubada” por outro, com aparência mais jovem e de melhor condição financeira; seu algoz, que não roubou apenas seu amor, mas também sua motivação para viver.
Acordou novamente, agora pelas palmas incessantes no portão.
Um vizinho e amigo de longa data trazia uma notícia:
·         Ela morreu hoje às treze horas e cinqüenta minutos – disse.
Ele ficou chocado, mas manteve o rosto sem nenhuma expressão de dor.
Agradeceu pela informação e após algumas conversas sem importância despediu-se e adentrou novamente na sala.
Checou a hora exata no relógio de pulso que já marcava quinze horas, só aí percebeu que dormira demais. Olhou para o relógio de parede para confirmar: - ficou boquiaberto com o susto que levou.
O ponteiro dos segundos não girava mais, o relógio havia parado exatamente às treze horas e cinqüenta minutos.
O fim estava eternizado; chorou.

Essa é a pérola do dia.
Pense nisso!
Twitter @alcirchiari

4 comentários:

  1. Sinal que ela continuo em sintonia com ele a vida toda, mesmo tendo o abandonado.

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  2. Nem o tempo apaga um grande amor, mas a morte definitivamente finda.

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  3. Que triste. =(

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