domingo, 6 de fevereiro de 2011

SÓ LEMBRANÇAS, NADA MAIS

 Era manhã de domingo, e da janela da cozinha ao lado do fogão a lenha, o garoto observava a chuva intensa que caia lá fora acompanhada de rajadas de vento que balançavam fortemente as mangueiras e derrubavam seus frutos.
O cheiro de café coado e dos bolinhos de chuva fritos na hora aguçavam sua fome e a vontade de saboreá-los.
A responsabilidade de recolher as mangas que haviam caído com o temporal era sua, e ao sair do aconchego da casa apenas com uma blusinha e calção surrado percebeu que o frio era intenso, apesar da chuva ter cessado.
Descalço, caminhou até as mangueiras, sentia a terra lamacenta entrar no meio dos dedos e embarrear seus pés, que de certa forma ficavam protegidos do frio, incompreensível para aquela época do ano, afinal era verão.
Recolheu de três a quatro baldes de mangas fresquinhas e de ótima qualidade, cheirando uma a uma e sentido o aroma característico de cada variedade; Rosa, Espada, Coquinho e Bourbon.
Adorava o cheiro das mangas, principalmente a Bourbon, que misturados ao cheiro da relva molhada formavam um aroma único, um perfume inesquecível.
Era manhã de domingo, e da janela da cozinha do apartamento observava a chuva intensa que caia lá fora, porém a imagem não era de mangueiras balançando, mas sim de arranha céus da grande metrópole.
No apartamento, todos estavam dormindo, e não haviam aroma de café coado na hora, nem bolinhos de chuva fritos.
Vestido adequadamente para aquele clima e temperatura acessou a rua através da portaria do prédio, a chuva cessara, mas o frio era intenso como de outros tempos. Agora compreensível, afinal fora noticiado na TV a chegada de uma frente fria.
Caminhou até a feira, sua responsabilidade já estabelecida, e foi direto para a banca das mangas.
A qualidade e o frescor das mangas Espada e Rosa não eram o mesmo de outros tempos, Coquinho não havia, e as variedades atuais nada lembravam o perfume inesquecível da Bourbon.
Como de costume, cheirou uma a uma, mas faltava o aroma característico e inesquecível da Bourbon misturado ao da relva molhada. No ar estava impregnado um cheiro de fritura de pastel, poluição e fumaça dos carros.
Os pés agora bem calçados e protegidos já não sentiam a terra lamacenta entremear os dedos e embarreá-los, os tempos são outros.
- Daquela época só lembranças, nada mais.

Essa é a pérola do dia
Pense nisso!
Twitter @alcirchiari

10 comentários:

  1. Me lembra um cara Rotineiro comedor de pizza. Legal, darmos valor nos pequenos detalhes. E Feliz daquele que tem BOAS lembranças. Abraços

    ResponderExcluir
  2. Feliz daqueles que realmente tem BOAS lembranças e não apenas se contentam em LEMBRAR!!!!!

    ResponderExcluir
  3. Como é bom os tempos de criança...
    Pena que hoje em dia elas nem saibam o que é uma manga colhida fresquinha no pé e o cheiro da terra molhada....
    Felizes tempos aqueles!!!

    Oh! que saudades que tenho
    Da aurora da minha vida,
    Da minha infância querida
    Que os anos não trazem mais!
    Que amor, que sonhos, que flores,
    Naquelas tardes fagueiras
    À sombra das bananeiras,
    Debaixo dos laranjais!

    Como são belos os dias
    Do despontar da existência!
    - Respira a alma inocência
    Como perfumes a flor;
    O mar é - lago sereno,
    O céu - um manto azulado,
    O mundo - um sonho dourado,
    A vida - um hino d'amor!

    Que auroras, que sol, que vida,
    Que noites de melodia
    Naquela doce alegria,
    Naquele ingênuo folgar!
    O céu bordado d'estrelas,
    A terra de aromas cheia,
    As ondas beijando a areia
    E a lua beijando o mar!

    Oh! dias da minha infância!
    Oh! meu céu de primavera!
    Que doce a vida não era
    Nessa risonha manhã.
    Em vez das mágoas de agora,
    Eu tinha nessas delícias
    De minha mãe as carícias
    E beijos de minha irmã!

    Livre filho das montanhas,
    Eu ia bem satisfeito,
    De camisa aberto ao peito,
    - Pés descalços, braços nus -
    Correndo pelas campinas
    À roda das cachoeiras,
    Atrás das asas ligeiras
    Das borboletas azuis!

    Naqueles tempos ditosos
    Ia colher as pitangas,
    Trepava a tirar as mangas,
    Brincava à beira do mar;
    Rezava às Ave-Marias,
    Achava o céu sempre lindo,
    Adormecia sorrindo
    E despertava a cantar!

    Oh! Que saudades que tenho
    Da aurora de minha vida (...)

    "Casimiro de Abreu"

    ResponderExcluir
  4. Nossa esse texto é lindo e acho que não lia desde os tempos de colégio.....muito bom :D
    Lembranças da infância....as mais doces que pode exisitr!!!!

    ResponderExcluir
  5. Gostei muito da pérola lembram os velhos tempos e ressaltam os tempos de hoje em que não se pode viver mais àquela maneira.
    Auros tempos......

    ResponderExcluir
  6. Como é bom lembrar destes tempos, não é....Eee tempinho bom que ficou para trás....
    Parabéns ao escritor pelo texto...ótima analogia feita aos tempos de hoje!!!

    ResponderExcluir
  7. Ótimo texto...adorei...e vc Alcir cada dia melhorando suas pérolas...e o livro, é pra quando?

    ResponderExcluir
  8. Bolinhos de chuva com café.....ah quanto tempo não se faz mais isso....isso sim era coisa boa da vida...amei a matéria!!!

    ResponderExcluir
  9. Consegui sentir o cheiro da manga...só pelo modo como descreveu. Ai que vontade de comer uma manga! hahahahaha =)

    ResponderExcluir
  10. este texto nos acalma
    olhem só que responsabilidade
    e nos ensina que mesmos pequeninos
    podemos criar um mundo melhor
    (proverbio)

    ResponderExcluir