Era manhã de domingo, e da janela da cozinha ao lado do fogão a lenha, o garoto observava a chuva intensa que caia lá fora acompanhada de rajadas de vento que balançavam fortemente as mangueiras e derrubavam seus frutos.
O cheiro de café coado e dos bolinhos de chuva fritos na hora aguçavam sua fome e a vontade de saboreá-los.
A responsabilidade de recolher as mangas que haviam caído com o temporal era sua, e ao sair do aconchego da casa apenas com uma blusinha e calção surrado percebeu que o frio era intenso, apesar da chuva ter cessado.
Descalço, caminhou até as mangueiras, sentia a terra lamacenta entrar no meio dos dedos e embarrear seus pés, que de certa forma ficavam protegidos do frio, incompreensível para aquela época do ano, afinal era verão.
Recolheu de três a quatro baldes de mangas fresquinhas e de ótima qualidade, cheirando uma a uma e sentido o aroma característico de cada variedade; Rosa, Espada, Coquinho e Bourbon.
Adorava o cheiro das mangas, principalmente a Bourbon, que misturados ao cheiro da relva molhada formavam um aroma único, um perfume inesquecível.
Era manhã de domingo, e da janela da cozinha do apartamento observava a chuva intensa que caia lá fora, porém a imagem não era de mangueiras balançando, mas sim de arranha céus da grande metrópole.
No apartamento, todos estavam dormindo, e não haviam aroma de café coado na hora, nem bolinhos de chuva fritos.
Vestido adequadamente para aquele clima e temperatura acessou a rua através da portaria do prédio, a chuva cessara, mas o frio era intenso como de outros tempos. Agora compreensível, afinal fora noticiado na TV a chegada de uma frente fria.
Caminhou até a feira, sua responsabilidade já estabelecida, e foi direto para a banca das mangas.
A qualidade e o frescor das mangas Espada e Rosa não eram o mesmo de outros tempos, Coquinho não havia, e as variedades atuais nada lembravam o perfume inesquecível da Bourbon.
Como de costume, cheirou uma a uma, mas faltava o aroma característico e inesquecível da Bourbon misturado ao da relva molhada. No ar estava impregnado um cheiro de fritura de pastel, poluição e fumaça dos carros.
Os pés agora bem calçados e protegidos já não sentiam a terra lamacenta entremear os dedos e embarreá-los, os tempos são outros.
- Daquela época só lembranças, nada mais.
Essa é a pérola do dia
Pense nisso!
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