Todos os dias ao entardecer seu passa-tempo preferido é acompanhar o regresso dos pássaros para seus ninhos, em vôos acrobáticos e organizados em grupos.
Tranquilamente degusta uma cerveja saboreando cada gole.
Hoje, especialmente, as dores nos ombros estão o incomodando muito mais que nos outros dias, reflexo do desgaste dos seus quase oitenta anos. Levantar os braços é quase impossível, pois seus tendões estão rompidos, e nesta altura da vida já não compensa correr atrás de uma possível reconstituição através de cirurgia, até porque o coração já não é mais o mesmo e talvez não suporte tal procedimento.
Instintivamente, acompanhando o retorno dos pássaros, suas recordações o remetem ao passado.
Um passado de costumes e criação muito rígida por parte do pai, controlando e corrigindo os desvios de comportamento com castigos e punições “não pedagógicas” na base do chinelo e do cinto.
Assim aprendeu a ser homem de bons princípios e caráter ilibado, e adotou o mesmo critério para educar os seus filhos.
Filhos, que constituíram família, geraram netos e moram em outras cidades.
Sente saudades!
Definitivamente, as dores nos ombros estão ficando mais intensas e limitando cada vez mais seus movimentos.
- Será que estou pagando pelos excessos cometidos neste processo de educação? – se pergunta.
Afinal, adotara como principal corretivo aos filhos, a obrigatoriedade de ficar com os braços levantados durante muito tempo para não mais cometerem travessuras. Vale lembrar que ficar com os braços levantados por muito tempo provoca muita dor, principalmente em crianças, e baixá-los é naturalmente a melhor forma de alívio, mas nestas ocasiões é que o cinto ou o chinelo entravam em ação, estalando nas nádegas.
Uma lágrima escorre em seu rosto!
- Amor, venha jantar, já está servido! - diz a esposa.
Ele levanta-se com dificuldade; dá uma última olhada para o vôo dos pássaros, bebe o último gole daquela cerveja, retira o lenço do bolso e enxuga as lágrimas.
Sente-se arrependido!
Essa é a pérola do dia.
Pense nisso!
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